... aos
poucos, vai se tornando apenas um ponto vermelho que brilha lá longe, em
forma de coração
Poucos passos à minha frente, caminhando alegre contra o
fino azul deste domingo, lá vai a menininha. A mão esquerda está imobilizada
pela manopla paterna, mas a direita baila suavemente no ar, conduzindo uma rosa
vaporosa, melindrosa, mais que rosa: vermelha. Um vermelho tão senhor de si que
faz todas as cores da manhã convergirem para a pequena mão que o carrega.
O pai,
ocupado com seus infantis pensamentos de adulto, pouco nota na menina que, para
poder acompanhá-lo, precisa esticar longamente as pernas, como fazem os
soldados nos desfiles militares. A diferença é que ela não leva nenhuma
metralhadora ou fuzil, leva uma rosa.
É uma
criança pobre, cabelos espetando o ar, uma blusa que já pertenceu a alguma moça
formosa, blusa que, agora, sem forma ou formosura, larga demais para sua atual
ocupante, lhe cai pelos ombros miúdos Os pés vão contentes, quase aos pulos,
contagiados também pela rosa que, lá no alto, brilha no brilho desta manhã de
domingo. E as sandálias avançam, orgulhosas e barulhentas – chap! chap!, em
direção à casa da menina.
Ninguém
repara na pobreza da dupla, ele não menos mal enfatiotado que ela. Que nos
importa? Ver crianças pobres tornou-se para nós coisa tão natural quanto ver o
sol nascendo de manhã e as estrelas brilhando à noite. É domingo e, ainda mais,
é Dia das Mães. Homem e menina estão vindo das compras, vê-se pela bolsa que
ele segura e em cujas bordas debruçam-se talos e folhas. Também atrevidas raízes
de aipim põem a cabeça para fora e olham o movimento.
Da rosa
que a menina ostenta pende uma etiqueta colorida. Então é isso: pai e filha
ganharam essa flor por terem feito suas humildes compras no supermercado do
bairro! E, como hoje é o segundo domingo de maio, o brinde só pode ser uma
homenagem às mães. O que nos leva a concluir que a menina vai assim contente e
esvoaçante porque, contra todas as expectativas, desta vez sua mãe também vai
ganhar um presente. E porque tem um presente para dar, o coração da menina
ficou leve como pétala de rosa, suave como carinho de mãe.
A dádiva
que lhe chegou às mãos pelas mãos da moça do supermercado é o que lhe faltava
par dar a este domingo a doçura dos mais doces domingos. Outras mães poderão
ganhar apartamentos ou carros, televisões ou microondas. Algumas ganharão um
pente ou um sabonete. Muitas receberão a mesma ingratidão de todos os demais
dia do ano. E há tantas que apenas terão indiferença e esquecimento, que são o
mais triste de todos os presentes.
Mas a mãe
da menina que caminha ali, à minha frente, essa vai receber uma rosa vermelha,
ostensivamente vermelha.
E
acontecimento assim maravilhoso põe o brilho do sol nos olhos da menina. E a
menina apressa o passo, afasta-se, dilui-se na claridade da manhã e, aos
poucos, vai se tornando apenas um ponto vermelho que brilha lá longe, em forma
de coração.
Do livro Menina com flor
Excelente!!!!
ResponderExcluirMuito emocionante, parabêns.
Abraços,
Luiz Henrique
Lindo. Sensível e crítico ao mesmo tempo.
ResponderExcluirAlexandre