Em Escrevivendo o leitor-internauta poderá ler, ou reler, contos e crônicas de minha autoria, sobretudo os já publicados nos meus livros: "Um lugar muito lá,", "Vento nas Casuarinas", "Menina com flor", "O infinitivo e outros males", e "Onde dormem as nuvens".
Além desses, publiquei o infantil "Toda criança merece ter um bicho".
A cada duas semanas, um texto será colocado e ficará aberto à leitura, às criticas, às sugestões e, quem sabe, aos elogios dos leitores.

domingo, 10 de fevereiro de 2013

Maneiras de dizer


Robério José Canto

                                            Uma é Pelé, o outro é Fernando Henrique Cardoso, e mais aquele que consegue ser, em dias alternados,
Vera Fischer e Mike Tyson



Foi ali um instantinho e já volta

Pode contar que vai demorar. No Brasil, quando o sujeito diz que vai sair para tomar um cafezinho, sabe-se lá aonde esse cara vai e quando vai voltar, se é que vai voltar. Pior ainda se o paletó ficar abraçado ao encosto da cadeira. Há pessoas que parecem pensar que o paletó as representa muito bem e está capacitado a atender a qualquer um que tenha o mau gosto de procurá-las.
Sei de um caso em que essa história de “foi ali um instantinho e já volta” levou anos para ser concluída. O sujeito saiu para comprar cigarro. O barzinho ficava só a 5 minutos do apartamento. Meia hora depois, a mulher se deu conta de que o marido estava demorando. Uma hora, começou a ficar preocupada. Duas horas, foi ela própria até o bar. O resto do dia gastou em telefonemas para conhecidos, hospitais e polícia. Nada de nada, nunca mais.  Três ou quatro anos depois, um vizinho está em São Paulo e vai assistir a um jogo no Pacaembu. Estádio lotado, não havia espaço nem para tirar a mão do bolso. Alguém ao lado lhe pede para acender o cigarro e …
Nem preciso contar o resto. O leitor e a leitora, inteligentes do jeito que são, já entenderam tudo. Era aquele cidadão que tinha saído de casa um instantinho e nunca mais voltara. “Se eu falasse que ia embora, ela fazia um escândalo. Aí, resolvi sair de fininho…”

Ela é bonitinha

Até ser gentil está ficando difícil. Outro dia conheci uma senhorita, conterrânea dos Sarneys, e lhe disse que ela parecia mesmo maranhense, tendo ela me perguntado o que isso significava. “Moreninha, bonitinha…”, foi o que respondi, achando que estava sendo muito galante.  A moça não entendeu assim e retrucou que “bonitinha é quase feia”.   Não satisfeito de ter dito a primeira besteira, acrescentei a segunda: “Já me disseram que bonitinha é uma feia bem vestida”, do que, louvado seja o bom humor feminino!, a jovem achou graça.
 Portanto, para dirimir qualquer dúvida, passada, presente ou futura, deixo consignado em ata que, quando atribuo a alguém o título de “bonitinha”, estou querendo dizer que: a) essa pessoa pode não ser uma dessas belezas arrebatadoras que enfeitam capas de revistas e telas de televisão; b) também não chega a ser nenhum Corcunda de Notre Dame; c) enfim, está naquele meio termo em que a pessoa pode ser chamada, sem ofensa, de… digamos assim…
...bonitinha.

Não é que eu queira fazer fofoca, não, mas…

          Haja ouvidos e paciência, porque esse prólogo invariavelmente dá início a uma sessão completa de mexericos. Há quem garanta que o disse-me-disse é essencial à sanidade mental das pessoas. Segundo essa teoria, falar mal de alguém, fazer uma intriga, levantar uma suspeita, ao menos de vez em quando, é sinal de equilíbrio e bom senso. E a prova disso é que, nos hospícios, os internos não andam inventando enredos para complicar a vida dos outros. Ao contrário, falam quase exclusivamente de si mesmos: uma é Pelé, o outro é Fernando Henrique Cardoso, e mais aquele que consegue ser, em dias alternados, Vera Fischer e Mike Tyson. Já o pessoal tido como mentalmente são como gosta de uma fofocaria!
  Creio que é de Machado de Assis o conto no qual um falastrão afirma estar certa jovem prometida em casamento a um amigo seu. Infelizmente para ele, o pai da moça estava presente e exige do fofoqueiro o nome do autor daquela calúnia. A seguir, saem os dois à procura do primeiro acusado, que diz ter ouvido a história de um terceiro. E este aponta outro, que nomeia mais outro. A busca parece infindável!   Os dois percorrem vários bairros do Rio, vão a Niterói e voltam, até que chegam ao suposto autor da história. Diante da enfurecida bengala paterna, o homem esclarece: “Mas foi o senhor mesmo que me contou isso!”
         Daí se conclui que fazer fofoca pode ser saudável, mas é também uma arma que frequentemente se volta contra quem a dispara.

Do livro “Menina com flor”