Em Escrevivendo o leitor-internauta poderá ler, ou reler, contos e crônicas de minha autoria, sobretudo os já publicados nos meus livros: "Um lugar muito lá,", "Vento nas Casuarinas", "Menina com flor", "O infinitivo e outros males", e "Onde dormem as nuvens".
Além desses, publiquei o infantil "Toda criança merece ter um bicho".
A cada duas semanas, um texto será colocado e ficará aberto à leitura, às criticas, às sugestões e, quem sabe, aos elogios dos leitores.

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Menina com flor

... aos poucos, vai se tornando apenas um ponto vermelho que brilha lá longe, em forma de coração

      Poucos passos à minha frente, caminhando alegre contra o fino azul deste domingo, lá vai a menininha. A mão esquerda está imobilizada pela manopla paterna, mas a direita baila suavemente no ar, conduzindo uma rosa vaporosa, melindrosa, mais que rosa: vermelha. Um vermelho tão senhor de si que faz todas as cores da manhã convergirem para a pequena mão que o carrega. 
O pai, ocupado com seus infantis pensamentos de adulto, pouco nota na menina que, para poder acompanhá-lo, precisa esticar longamente as pernas, como fazem os soldados nos desfiles militares. A diferença é que ela não leva nenhuma metralhadora ou fuzil, leva uma rosa.
É uma criança pobre, cabelos espetando o ar, uma blusa que já pertenceu a alguma moça formosa, blusa que, agora, sem forma ou formosura, larga demais para sua atual ocupante, lhe cai pelos ombros miúdos Os pés vão contentes, quase aos pulos, contagiados também pela rosa que, lá no alto, brilha no brilho desta manhã de domingo. E as sandálias avançam, orgulhosas e barulhentas – chap! chap!, em direção à casa da menina. 
Ninguém repara na pobreza da dupla, ele não menos mal enfatiotado que ela. Que nos importa? Ver crianças pobres tornou-se para nós coisa tão natural quanto ver o sol nascendo de manhã e as estrelas brilhando à noite. É domingo e, ainda mais, é Dia das Mães. Homem e menina estão vindo das compras, vê-se pela bolsa que ele segura e em cujas bordas debruçam-se talos e folhas. Também atrevidas raízes de aipim põem a cabeça para fora e olham o movimento. 
Da rosa que a menina ostenta pende uma etiqueta colorida. Então é isso: pai e filha ganharam essa flor por terem feito suas humildes compras no supermercado do bairro! E, como hoje é o segundo domingo de maio, o brinde só pode ser uma homenagem às mães. O que nos leva a concluir que a menina vai assim contente e esvoaçante porque, contra todas as expectativas, desta vez sua mãe também vai ganhar um presente. E porque tem um presente para dar, o coração da menina ficou leve como pétala de rosa, suave como carinho de mãe.
A dádiva que lhe chegou às mãos pelas mãos da moça do supermercado é o que lhe faltava par dar a este domingo a doçura dos mais doces domingos. Outras mães poderão ganhar apartamentos ou carros, televisões ou microondas. Algumas ganharão um pente ou um sabonete. Muitas receberão a mesma ingratidão de todos os demais dia do ano. E há tantas que apenas terão indiferença e esquecimento, que são o mais triste de todos os presentes.
Mas a mãe da menina que caminha ali, à minha frente, essa vai receber uma rosa vermelha, ostensivamente vermelha. 
E acontecimento assim maravilhoso põe o brilho do sol nos olhos da menina. E a menina apressa o passo, afasta-se, dilui-se na claridade da manhã e, aos poucos, vai se tornando apenas um ponto vermelho que brilha lá longe, em forma de coração.

Do livro Menina com flor