Em Escrevivendo o leitor-internauta poderá ler, ou reler, contos e crônicas de minha autoria, sobretudo os já publicados nos meus livros: "Um lugar muito lá,", "Vento nas Casuarinas", "Menina com flor", "O infinitivo e outros males", e "Onde dormem as nuvens".
Além desses, publiquei o infantil "Toda criança merece ter um bicho".
A cada duas semanas, um texto será colocado e ficará aberto à leitura, às criticas, às sugestões e, quem sabe, aos elogios dos leitores.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Na praia


Um casal de namorados se abraça, se beija, se penteia e despenteia,  incendeia a areia, a praia arde ao sol do meio-dia.

      Olhando o mar. Vai e volta, incessantemente, como se fosse... como se fosse o mar. A que mais se pode compará-lo? De repente, suas ondas contidas respiram mais fundo, tomam novo fôlego e vêm passar nos meus pés a língua gelada. O inverno estreou há pouco nos calendários do Brasil e a água já está fria, embora este seja um dos cantos mais quentes do país.
     Imerso em tanta beleza, eu me pergunto se nós, seres que se dizem humanos, temos o direito de poluir essa paisagem com a nossa presença, se temos o direito de pisar nessa areia, tão branca que mais parece uma camada de finíssimo talco, suavemente espalhada sobre o corpo da Terra. Como resposta, a natureza apenas exibe o quanto a temos ferido: sobre o verde irisado, boiam manchas escuras, murchas flores, frascos, feitiços, falecidas falenas. Ainda assim, ela não perde a majestade.   Um passante murmura, mais para si mesmo do que para mim: “Na minha terra o mar é escuro”. Pois aqui ele é assim, camaleônico: o sol penetra nas dobras de sua superfície e matiza o azul de verde, com laivos dourados.
     Afasto os olhos do mar e vejo uma criança que tenta alcançar o outro lado do mundo, cavando um buraco na areia. A pazinha vai fundo, mais fundo, e o Japão nunca chega.  A mãe levanta-se da cadeira e vem explicar à filha que os sonhos são assim mesmo: cavamos, cavamos, sem jamais chegar a realizá-los plenamente. Nem por isso eles deixam de valer a pena. Muitas vezes, mais vale sonhar um sonho do que realizá-lo.
     A garotinha sai correndo e, visto daqui, seu maiô vermelho parece uma flor exótica que o vento sopra por cima da areia. Logo ela pula em direção aos braços do pai. Ele a levanta e então a menina se transforma numa pipa que começa a alçar voo. Braços abertos, aberto o coração, o sorriso flutuando sobre a cabeça do homem que ergue para o mundo o troféu de sua vida.
     Mas nem tudo são flores. Também temos picolé, sorvete, cocada, redes do Ceará, cerveja gelada. Miríades de ofertas.  Para colocá-las a nosso alcance, meninos que deveriam estar na escola, ou brincando nas águas. Mulheres encanecidas de tanto trabalho, escurecidas de tanto andar de uma ponta a outra do sol. E mais os homens humildes, que nos agradecem se lhes permitimos recolher as latas de refrigerantes vazias, como se não fosse deles o favor, ao nos livrarem do lixo que acumulamos em volta de nós. 
     Aos poucos, a praia vai se enchendo. Duas adolescentes passam e, por meio de palavras, gestos e risos, contam inutilidades preciosas, banalidades urgentes, segredos que – juram por Deus! - hão de ficar para sempre apenas entre elas e os demais habitantes do planeta. Um casal de namorados se abraça, se beija, se penteia e despenteia,  incendeia a areia, a praia arde ao sol do meio-dia. Com ar exigente, as mulheres vigiam os filhos, pensando talvez no futuro que eles terão. Os homens vigiam as pernas femininas que desfilam, mas é melhor não adivinhar o que estarão pensando esses senhores de ar inocente.
    O espetáculo é variado, é um texto escrito no ar. Sei o quanto ele ficará empobrecido quando eu finalmente puder colocá-lo no papel. Penso em como seria bom se não precisássemos das palavras, bastando ver e sentir as coisas para poder comunicá-las. O mergulho de um pássaro me tira dessas reflexões e assim me quedo, mais uma vez, simplesmente olhando o mar.

Do Livro “Menina com flor”

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