Em Escrevivendo o leitor-internauta poderá ler, ou reler, contos e crônicas de minha autoria, sobretudo os já publicados nos meus livros: "Um lugar muito lá,", "Vento nas Casuarinas", "Menina com flor", "O infinitivo e outros males", e "Onde dormem as nuvens".
Além desses, publiquei o infantil "Toda criança merece ter um bicho".
A cada duas semanas, um texto será colocado e ficará aberto à leitura, às criticas, às sugestões e, quem sabe, aos elogios dos leitores.

domingo, 5 de maio de 2013

O príncipe e o plebeu


“Ué, doutor, sabe lá se alguma delas é tarada?”


        Não sei a quem pertence a anedota. Poderia contá-la como sendo minha e talvez ninguém desconfiasse. Mas, já ensinava a minha avó, a mentira tem pernas curtas e eu não quero passar vexame. Abraão Lincoln disse que é possível enrolar algumas pessoas por todo o tempo, ou a turma toda por umas horinhas, mas que ninguém consegue enganar o mundo inteiro indefinidamente. A frase de Lincoln talvez seja mais bonita, mas a ideia é essa mesma. Uma amiga me garante que o famoso estadista não teria sido tão peremptório se conhecesse...
        Vamos chamá-la de Castrina Galante. O nome falso tem a vantagem de conservar o segredo que me foi confiado, mas traz também o perigo de deixar muitos maridos com a pulga atrás da orelha. Enfim, melhor uma pulga metafórica atrás da orelha do que um real par de chifres na testa.
       Pois bem, segundo a minha confidente, Castrina Galante trai o marido há mais de trinta anos e ele, a família, a vizinhança e os amigos a consideram uma penca de virtudes, dentre as quais avulta a fidelidade conjugal. Ser mentiroso exige talento e muitas pessoas, seja pela prática constante, seja por inclinação pessoal, ou mais provavelmente pela feliz conjugação dos dois fatores, chegam à perfeição.
       Eu não sou mentiroso (a menos que esteja mentindo). Então, conto o caso, declarando desde já que não sou o autor original. É o seguinte: numa rua do Rio de Janeiro, um operário desentupia bueiros (ou qualquer outra ocupação assim elegante) e era ele próprio um bueiro necessitando de uma boa limpeza. Estava imundo e, como se isso fosse pouca porcaria, sua figura havia se tornado um elenco completo de todas as feiúras que a pobreza é capaz de criar em seu hospedeiro: raros e estragados dentes, cabelos esfarripados, seja lá o que esfarripado possa significar, mãos calosas e feridas. Apesar de todos esses encantos que o transformavam num Corcunda de Notre Dame piorado, ele olhava para todas as mulheres bonitas que passavam e lhes dirigia os maiores elogios. Entre outros galanteios, chamava-as de “caminhão de areia”, o que não é de estranhar, desde que Tom Jobim achou mulher bonita parecida com avião (“Tua beleza é um avião, demais para um pobre coração”). Cada doido com sua mania, mas dentro da realidade que conhece: Tom com o avião, o operário com o caminhão de areia. Segundo Charles Berlitz, os japoneses, para elogiar as mulheres, comparam-nas a “um ovo com olhos”, o que a mim me parece uma coisa bem horrorosa, para dizer o mínimo. Em português, quando algo é de difícil compreensão, se diz que “é grego”. Em espanhol, que “é chinês”, mas em alemão, que “é espanhol”.
       Aqui, devo fazer um parênteses para dizer que já deturpei bastante a história. Que o seu dono me perdoe, mas quem conta um conto aumenta um ponto, diz o ditado. Pois vamos ver como a coisa termina. Lá está o operário — lembra dele? — como um Romeu subterrâneo, emergindo do bueiro e declarando a sua limpa e perfumada admiração às julietas que passam. Um observador, achando descabida a pretensão do Don Juan enlameado, pergunta-lhe se ele acha possível que alguma daquelas gatas dê bola para ele, rato de esgoto. Serenamente, como convém aos sedutores autênticos, ele responde: “Ué, doutor, sabe lá se alguma delas é tarada?”
        Quando esteve no Brasil, o príncipe Charles, então solteiro, impressionou a todos pela elegância com que se portava diante das mulheres, mesmos as mais atraentes. Provocado por uma passista de escola de samba que, seminua, rebolava na sua frente, o herdeiro do trono inglês não desviou os olhos uma vez sequer para as partes mais atraentes daquele furacão que rodopiava, querendo envolvê-lo. Mas, infelizmente, há algo de podre também no reino da Inglaterra, como diria Hamlet. Casado com a linda Diana, Sua Alteza real  teve o mais plebeu dos comportamentos, fazendo coisas que certamente envergonhariam qualquer limpador de bueiros, aqui, na Inglaterra ou na China.
       Qual a moral desta história? Não sei. Talvez seja apenas isso: grandes são as nossas fraquezas e às vezes maiores nos corações onde se podia esperar que houvesse mais fortaleza. Ou, como me explicou um pedreiro-filósofo que trabalhou em minha casa, “assim como são as pessoas, são as criaturas humanas!”

Do livro: Vento nas casuarinas”

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