Em Escrevivendo o leitor-internauta poderá ler, ou reler, contos e crônicas de minha autoria, sobretudo os já publicados nos meus livros: "Um lugar muito lá,", "Vento nas Casuarinas", "Menina com flor", "O infinitivo e outros males", e "Onde dormem as nuvens".
Além desses, publiquei o infantil "Toda criança merece ter um bicho".
A cada duas semanas, um texto será colocado e ficará aberto à leitura, às criticas, às sugestões e, quem sabe, aos elogios dos leitores.

sábado, 11 de fevereiro de 2012

ASSALTO

ASSALTO

Aliás, vou te contar: meu sonho de criança era ser professor.  Desanimei por causa do salário e acabei no ramo dos assaltos.

            Sob muitos pontos de vista, considero-me um brasileiro atípico.  Por exemplo: nunca fui assaltado. Verdade que quase não saio de nossa cidade, onde os ladrões, se os há, devem  conhecer a minha situação financeira o bastante para  saber que pouco lucro alcançariam me assaltando. E quando vou a alguma metrópole, sou o perfeito provinciano assustado com a cidade grande, pelo que, se alguém me olha, só pode é ficar com pena.  Se algum ladrão chegou a enxergar em mim um cliente em potencial, deve ter ouvido de um colega de trabalho mais experiente a famosa frase de Jeca Tatu: “Não paga a pena!”, e me deixado passar a salvo.
            Não que eu ache graça nesse negócio de assalto. Sei de casos em que pessoas, até famílias inteiras, passaram por grandes sofrimentos nas mãos de bandidos.  E quantas vezes sabemos pela imprensa de histórias que terminaram em tragédia, marginais  que mataram  por causa de um tênis, de uns poucos trocados que a vítima levava no bolso.
            Mas, já dizia o velho Shakespeare, tudo está bem quando termina bem. E eu sei de pelo menos dois assaltos que chegaram a um final feliz, e até mesmo divertido, graças, por um lado, à serenidade do assaltado e, por outro, à boa índole do assaltante.
   Uma de minhas tias mora no Rio de Janeiro e adquiriu grande know-how em matéria de assaltos a ônibus. Na condição de assaltada, é bom esclarecer, antes que vocês comecem a falar mal de minha família.  Da última vez que estive com ela, fiquei sabendo de sua mais recente aventura do gênero:
            - Mal o sujeito entrou no ônibus, eu vi que boa coisa ele não era. Só em bater os olhos, já estou reconhecendo: esse é bandido. Fico até sem jeito de falar, as pessoas pensam que é mentira, mas já fui assaltada 11 vezes na condução do trabalho para casa. Com a tarimba que fui adquirindo, nem me apavoro mais.
            - Ele foi entrando, o ar mais inocente do mundo. Se estendesse a mão, ninguém lhe negaria um trocado. Fui logo escondendo o relógio e a aliança. Dito e feito: com tanto lugar vago, o cara veio sentar logo do meu lado.
            - Tia, passa a bolsa e as joia rapidin´ e sem fazer presepada!
            - Olhei pra cara dele e fui me explicando: “Ô sobrinho, escuta só: com esse já são 11 os assaltos que sofro nessa linha. Você acha certo? Não é querer ensinar padre a rezar missa, mas você e seus colegas precisam variar a freguesia. Além disso, pode crer, eu também ando numa pior.  Na bolsa tem uns trocados e remédio pra pressão.  Você tem pressão alta? Aposto que não tem, estou vendo que você é cabeça fresca. Assaltar passageiro de subúrbio não dá lucro não, meu filho! Vamos fazer o seguinte: me deixa sossegada e espera outro ônibus, tá bom?
            E termina, numa boa:
            - Ele resmungou “fica pra próxima, tia” e saltou no ponto seguinte. Francamente, nesse negócio de assalto a ônibus eu tenho mais experiência que a maioria dos assaltantes!
            O outro é o caso do professor que foi participar de um congresso lá mesmo no Rio e, terminado o evento, ficou no ponto esperando condução. Como ainda não tinha anoitecido, resolveu arriscar-se. Encostou no poste, rezando para que o ônibus não demorasse. Antes do ônibus, porém, chegou o ladrão, que, sem mais delongas, entrou no assunto, posto que ladrão não é manicure nem  barbeiro, pra ficar de conversa fiada com o freguês:
            - E aí, chefia, entrega a bolsa e a carteira.  Aproveita e passa a aliança e o relógio, que é pra tu ficar mais leve!
            - Ô, companheiro, não me queira mal, mas na bolsa só tem livro. Dinheiro só o do ônibus, se o senhor levar vou ter que ir a pé pra rodoviária.  Não faça uma coisa dessas com um modesto professor! Olha aqui minha carteirinha do MEC!
            -Professor?! Putisgrila! Urubu quando tá de azar o de baixo faz no de cima. Professor! Era o que me faltava! Aposto que o amigo tava ali na faculdade ouvindo lero.  E essa livrarada toda aí! Não me serve pra nada! Ó, dessa vez vou aliviar pro teu lado. Isso aqui é área da pesada, tu vai é acabar sendo assaltado. Vou ficar consigo pra lhe dar uma garantia, até teu ônibus chegar.  Sorte tua, que eu sou fã de professor.  Aliás, vou te contar: meu sonho de criança era ser professor.  Desanimei por causa do salário e acabei no ramo dos assaltos. Toma aqui um trocado pra passagem e vê se não dá bobeira de novo.  Ó, lá vem teu ônibus. Vai com Deus.  E te cuida, colega!

5 comentários:

  1. Sou fã do Robério desde "priscas eras" (eheheheheh!, que ele não me bata...). Ironia, prosa fluida e agradabilíssima, contada na melhor clave dos "causos" que eu ouvia lá em Cantagalo... Como diria o "filósofo" Michel Teló: DELÍCIA!!!!!

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  2. Muito interessante. Pena que em parte seja verdade a desvalorização da nossa profissão.

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  3. Muito bom!!

    Grande abraço Robério!

    Christian.

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  4. Robério,é muito bom saber que professor,pelo menos, tem segurança garantida em relação aos pequenos assaltantes, porque quanto aos grandes nós não temos nem defesa. O que fazer?
    Você poderia escrever um texto me dando uma resposta?
    Abraços,
    Graça

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