Em Escrevivendo o leitor-internauta poderá ler, ou reler, contos e crônicas de minha autoria, sobretudo os já publicados nos meus livros: "Um lugar muito lá,", "Vento nas Casuarinas", "Menina com flor", "O infinitivo e outros males", e "Onde dormem as nuvens".
Além desses, publiquei o infantil "Toda criança merece ter um bicho".
A cada duas semanas, um texto será colocado e ficará aberto à leitura, às criticas, às sugestões e, quem sabe, aos elogios dos leitores.

sábado, 6 de agosto de 2011

JUÍZO FINAL

O FIM DO MUNDO


Mas sempre o fim do medo chegava antes do fim do mundo


Quem se deu ao trabalho de ir à missa no último domingo, ouviu Jesus falando sobre o fim do mundo e recomendando que estivéssemos atentos, porque “não sabeis quando será o tempo”.
Não quero entrar agora por nenhum caminho transcendente nesta modesta crônica, para a qual, aliás, o fim do mundo está bem próximo. Quando muito, ela viverá por alguns minutos diante dos olhos do eventual leitor, e logo cairá no esquecimento eterno.  É bom que os cronistas não se iludam.  Poucas horas depois de ter nascido, seu precioso texto estará envolvendo um cacho de bananas que maduram, forrando a sola de um sapato velho e furado.  Com muita sorte, o papel será reciclado e aí as belas frases e os nobres sentimentos com que enchemos a folha nada mais serão do que, como no soneto de Machado de Assis, pensamentos idos e vividos.
Mas a leitura do Evangelho (Marcos l3, l4-37) me fez lembrar dos tempos em que eu, criança, tinha mais curiosidade do que medo acerca do fim do mundo.  Naquela época se dizia que “a mil chegarás, de dois mil não passarás”, ameaça que, garantiam os adultos, estava na Bíblia e, portanto, acima de qualquer contestação.  Na minha cabeça infantil, dois mil era coisa distante demais, não dava para avaliar.  Pouco perigoso é o perigo longínquo e, para as crianças, nenhum risco é iminente, nunca há com que se preocupar.   Assim sendo, eu convivia mais ou menos bem com a ideia de fim do mundo e sempre achava que “Juízo Final” seria quando todas as pessoas, afinal, tomassem juízo (pensando bem, não era uma conclusão inteiramente errada).  Verdade que eu me encolhia sob as cobertas nas noites de tempestade, ou quando a falta de energia elétrica deixava tudo escuro.  Mas sempre o fim do medo chegava antes do fim do mundo.
Também procurava me manter na boa amizade dos santos, certo de que havia gente demais na Terra e que, quando ela acabasse, o Senhor iria precisar de ajuda para julgar todo esse povo.  Fechava os olhos e via a multidão esperando para ser julgada.  Deus, sentado no trono, parecia dizer: “Isso hoje está parecendo fila de banco em dia de pagamento do INSS!” De modo que valia a pena manter boas relações com os santos, hábito que ainda hoje cultivo.   Era então muito comum uma gravura em que duas crianças caminhavam à beira do precipício e, embora a ponte fosse apenas uma pinguela rebentada e uma serpente estivesse pronta para dar-lhes o bote, elas nada sofriam, porque eram seguidas pelo Anjo da Guarda, que as protegia.
Eu tinha certeza de que havia um anjo especialmente designado por Deus para me observar, cuidar de mim e, quando chegasse a hora, depor a meu favor ou contra mim.  Sei que os evangélicos criticam muito a crença católica em anjos e santos, mas é confortador pensar que o Universo está repleto de aliados nossos, com os quais Deus talvez queira nos dizer que, se outros conseguiram, nós também podemos conseguir.  Enfim, não vamos discutir quem está com a razão a respeito de como Deus é, age ou pensa.  Chego a achar que Deus ri muito da nossa ignorância a respeito dele.  Ou talvez chore de vez em quando, ao ver que, para nos desentendermos, até ele serve de pretexto.
Não que eu não creia no fim do mundo.  Sei que ele virá para cada um de nós.  Pode ser no ano três mil, pode ser antes, pode ser depois.  Todos juntos, ou cada um na sua hora particular, iremos.  Sem dúvida que iremos.  Mas, como disse Dag Hammarsjold; “Não procure a morte. Ela o encontrará. Procure o caminho que faz da morte um complemento”.













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