Em Escrevivendo o leitor-internauta poderá ler, ou reler, contos e crônicas de minha autoria, sobretudo os já publicados nos meus livros: "Um lugar muito lá,", "Vento nas Casuarinas", "Menina com flor", "O infinitivo e outros males", e "Onde dormem as nuvens".
Além desses, publiquei o infantil "Toda criança merece ter um bicho".
A cada duas semanas, um texto será colocado e ficará aberto à leitura, às criticas, às sugestões e, quem sabe, aos elogios dos leitores.

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Banhos e sutiãs

                                                               BANHOS E SUTIÃS

                 Robério José Canto

A vaidade feminina há de achar melhor ter seios reguláveis do que regulares

            Soube de uma novidade de grandes repercussões para a camada de ozônio, que está meio esburacada lá no espaço, e para o meio-ambiente, que anda bem arrasado aqui na Terra mesmo. Tem até gente que acha que se ambiente fosse importante não era meio, era inteiro. De qualquer forma, considero a notícia digna de registro.  E a notícia é que o número de banhos entre os franceses, que antes não passava de dois por semana, tem aumentado.                       Segundo diz a revista, essa transformação se deve à progressiva substituição, naquele país, da banheira pelo chuveiro elétrico. De fato, encher a banheira demanda tempo e paciência, o sujeito acaba mesmo desistindo. Assim, nossos amigos europeus vão se rendendo à tecnologia e às comodidades que ela proporciona, neste caso com grandes benefícios para a pureza do ar. A longo prazo, a mudança pode acarretar inclusive que os franceses percam o interesse pelos perfumes, arma com a qual secularmente vêm compensando a pouca frequência com que se entregam à água e ao sabão.
            Consta que os nossos índios tomavam banho não apenas todo dia, mas o dia todo. Eram quase anfíbios: viviam um tanto na terra e outro tanto nos rios e lagos, mares e lagoas. Os portugueses estranharam esse hábito selvagem de viver se lavando e até sentiam algum enjoo diante do cheiro de limpeza que emanava dos nativos. Mas, tais e tamanhos eram os encantos das índias que não houve Joaquim ou Manuel que não relevasse tanta higiene e com elas se embrenhasse mata a dentro.  Por fim, acabaram eles mesmos se acostumando com o banho diário, coisa que em sua pátria seria considerado um claro sinal de loucura.
            Pensando bem, isso de lavar-se amiúde é coisa de gente atrasada. Um dos meus tios, muito considerado na família por ser homem de invulgar bom-senso, sempre dizia que pessoas limpas não precisavam de mais do que um banho de vez em quando ou, como ele dizia, de longe em longe.  O mesmo pensava um personagem de Graciliano Ramos que, ao ouvir uma senhora manifestar o desejo de tomar banho antes de ir dormir, comentou em surdina: “Moça porca!”
             Outra notícia que li diz respeito não às moças porcas, mas àquelas que são parcas de busto ou assim se julgam. Dizem as estatísticas que mais da metade dos sutiãs vendidos no Brasil já vem com algum tipo de recheio, a fim de socorrer as mulheres mais desprovidas de enchimento próprio. Até agora o truque era feito com algodão ou água. Mas acaba de ser lançado um novo modelo, que poderíamos chamar de "seios reguláveis".  A vaidade feminina há de achar melhor ter seios reguláveis do que regulares. A dita novidade traz como acessório uma pequena bomba de ar. Dessa forma, com umas poucas bombadas, qualquer mulher pode ampliar seus encantos, tornando-se opulenta justamente na região onde a natureza a tratou com sovinice. 
         O sutiã, nos tempos de maior nacionalismo, chamava-se porta-seios. O nome era dos mais adequados, porque já de saída deixava claro a que a peça se destinava. Mas a modernidade varreu a palavra do dia a dia das brasileiras e ela somente sobrevive, a duras penas, nas páginas dos dicionários. Também chegou a supor-se que a transformação dos costumes o tornaria uma peça de museu. Para as feministas mais radicais, a libertação das mulheres passava pela abolição desse símbolo de submissão às preferências dos machos. E, por fim, veio o silicone, levantando o caído, transformando o diminuto em volumoso e em formoso o que era feio. Parecia o último golpe de misericórdia no sutiã.
              A tudo isso ele resistiu. E talvez a sua sobrevivência se deva justamente a essa capacidade de adaptar-se e buscar sempre novas formas de corresponder às fantasias femininas (ou masculinas!). Enfim, o sutiã nunca deixou de ser, para as mulheres, um amigo do peito.  Só faltava inflar ou minguar, conforme o gosto da freguesa. Não falta mais.
        É correr às lojas e aproveitar. O sutiã que enche e esvazia como pneu de bicicleta é uma ilusão, mas o que é a beleza, afinal, senão uma ilusão do olhar? 

Do livro “Onde dormem as nuvens”





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